Double Feature #1

Esta é a primeira edição de Double Feature, um quadro que planejo ser recorrente nesse site e que tem como objetivo expressar minha opinião sobre dois filmes ou duas temporadas de séries por vez. Sempre um(a) dos filmes/temporadas será um(a) com avaliações positivas da crítica ou do público e o(a) outro(a) será exatamente o oposto, um(a) filme/temporada avaliado(a) negativamente. Para isso, me basearei em dois sites: um para a opinião da crítica, o Metacritic; e o outro para a opinião do público, o Internet Movie Database (IMDb).

Nesta edição, temos os dois extremos da crítica. De um lado, o filme mais bem avaliado do Metacritic (nota 100), o clássico Cidadão Kane (Dir. Orson Welles, 1941). Do outro lado, o filme pior avaliado do site (nota 1), o documentário político Death of a Nation (Dir. Dinesh D’Souza e Bruce Schooley, 2018).

Orson Welles in Citizen Kane (1941)

CIDADÃO KANE

nota: A+

CRÍTICA:  PÚBLICO:
  • Título Original: Citizen Kane
  • Direção: Orson Welles
  • Roteiro: Herman J. Mankiewicz e Orson Welles
  • Produção: Orson Welles
  • Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, etc.
  • Gênero: Drama
  • Duração: 119 min (1h59min)
  • Classificação: 10 (BRA) / PG (MPAA)

É difícil simplesmente escrever uma crítica para Cidadão Kane. Para falar a verdade, é quase um desafio. Eu poderia sentar aqui e escrever elogio após elogio, superlativo após superlativo e então publicar. Porém, eu não só acho que isso não seria o suficiente, mas também acho que ficaria bastante repetitivo e meio cliché.

Por quê? Bem, porque esse filme é amplamente considerado como um dos melhores (se não o melhor), o mais revolucionário e um dos mais influentes filmes já feitos. Portanto, eu seria apenas mais um o reverenciando. Com isso dito, realmente penso que qualquer problema que alguém possa, seriamente, ter com esse filme ou é resultado de quebra de expectativa ou alguma implicância irritante.

Este longa é, com toda seriedade, uma inegável obra-prima, especialmente se considerada a época em que foi feito. Pode-se dizer que o cinema hoje não seria o mesmo sem Cidadão Kane.

A história começa com a morte de Charles Foster Kane (Welles), um milionário magnata da comunicação. Em seu leito de morte, profere sua última palavra: “rosebud”. Sem contexto ou ideia do que aquilo signifique, um grupo de jornalistas se compromete a investigar a vida de Kane até descobrir o significado.

O filme então se compõe de entrevistas e flashbacks que mostram a vida do empresário sob os olhos de seus conhecidos, amigos ou não, construindo no processo um quebra-cabeça tridimensional, diverso e não linear, que é o personagem de Charles Foster Kane.

Apresentando um arco de ascensão e queda por meio de uma narrativa recortada, não linear e relativamente complexa, e contando com várias qualidades técnicas, “Cidadão Kane” foi inovador para o seu tempo e, talvez ainda mais relevante, influenciou o cinema posterior a ele. Uma maneira simples de se notar isso é assistir um filme, por exemplo, da década de 1930 e então “Cidadão Kane” e ver qual mais se parece com um longa que seria lançado nos dias de hoje (o que também é testemunha à atemporalidade da obra).

Os principais papeis do filme são interpretados por atores de rádio e teatro, fazendo suas primeiras aparições no cinema. A qualidade das perfomances,  surpreendentemente, não é de forma alguma prejudicada por isso, sendo de nível excepcional.

“Cidadão Kane” é um estudo de personagem excelentemente bem construído que até hoje influencia inúmeros cineastas. Tem atuações incríveis, principalmente a de Welles, uma bela fotografia, ótima direção, um roteiro incrível… e lá vou eu escrevendo elogio após elogio. Bem, isso tudo simplesmente se resume no fato de que esse é um dos melhores filmes já feitos e uma obra-prima que todos deveriam ver.

Don Taylor in Death of a Nation (2018)

DEATH OF A NATION

nota: F

CRÍTICA: ½  PÚBLICO:
  • Direção: Dinesh D’Souza e Bruce Schooley
  • Roteiro:Dinesh D’Souza e Bruce Schooley (baseados nos livros “The Big Lie” e “The Death of a Nation” ambos por Dinesh D’Souza).
  • Produção: Gerald R. Molen
  • Elenco: Dinesh D’Souza, Victoria Chilap, Pavel Kríz, etc.
  • Gênero: Documentário
  • Duração: 108min (1h48min)
  • Classificação: PG-13 (MPAA)

Eu percebo que é bem normal que alguém que tenha certa posição política não só discorde mas também desgoste de um filme, especialmente um documentário, se esse filme tenha uma posição diferente, até oposta à do expectador. Por exemplo, é esperado que alguém mais politicamente progressista não gostaria de um documentário mais conservador e vice-versa. Contudo, esse não é um documentário político comum e os problemas que ele tem estão muito além de uma simples discordância política.

Para tentar explicar esta… coisa, olhemos para a premissa e a conclusão de todo o argumento que ela tenta transmitir:

Premissa – os nazistas são de esquerda

Conclusão – Donald Trump é como o novo Abraham Lincoln e ele vai salvar os Estados Unidos de um novo plantation político [o que quer que isso signifique] do Partido Democrata (que são nazistas, aliás)

QUE?!

Pois então; entre aquela premissa idiota e essa conclusão maluca, existe esse filme: uma série de falácias, interpretações errôneas, teorias da conspiração e mentiras completas que tentam de alguma forma conectar aqueles dois argumentos enquanto também faz recriações de cenas históricas da Segunda Guerra e entrevistas extremamente vergonhosas.

Aliás, essas entrevistas são grande parte do filme e são praticamente todas a mesma coisa: o co-diretor e roteirista, Dinesh D’Souza, falando com alguém (nem sempre alguém de relevância para o assunto) e tentando conseguir citações deles que de alguma forma “provem” o ponto que ele quer confirmar. Ele sempre faz aquelas estúpidas perguntas do tipo “então o que você está dizendo é…” para que consiga fazer os entrevistados dizerem o que ele quer que eles digam. Isso é vergonhoso.

Uma dessas várias entrevistas é uma que, sozinha, destrói todo o argumento do documentário porque destrói a sua (estranha) premissa. Ele fala com o líder supremacista branco Richard Spencer, da Alt-Right. Spencer diz ser um conservador que apoia Donald Trump. A partir daí não deveria haver dúvida que nazistas são de direita se alguém que é neo-nazista diretamente te diz isso! Mas MESMO ASSIM D’Souza consegue tirar as palavras “bem, então acho que sou progressista” da boca dele e continua a negar a Alt-RIGHT como sendo de direita; simplesmente passa a incluí-la como uma das enganadas pela conspiração (e eu nem mencionei a parte em que ambos comparam Spencer a Malcolm X).

Durante essa entrevista, como também em outras partes do filme, o co-diretor parece confundir significados da palavra “progressista”. Quando ele fala de Megele, o médico nazista, ele diz que Mengele era “a favor do progresso”, portanto, ele era um “progressista”. Se você acredita que “progressista” no sentido comum e “progressista” no sentido político da palavra são a mesma coisa, ou você é alguém politicamente progressista ou… você talvez seja o Dinesh D’Souza.

No decorrer de todo o filme há inconsistências e falácias como essas. A coisa do “democratas são como nazistas” é em grande parte baseado no argumento completamente ilógico de que ‘se os democratas são esquerdistas e os nazistas são esquerdistas, então os democratas são nazistas”. Esse é o nível lógico que se está lidando quando se analisa esse filme. E isso é quando o filme não está simplesmente contando mentiras. Ele seriamente tenta argumentar que os nazistas tinham nenhum problema com a homossexualidade! Isso é brincadeira? Não, isso é uma absurda e revoltante MENTIRA. Gays foram perseguidos e mortos durante o regime nazista, tenha o mínimo de respeito.

Se isso não fosse o suficiente, ele usa a mentira dos ‘nazistas gostavam de gays’ para dizer que os nazistas não podiam ser de direita porque, aparentemente, você precisa ser homofóbico para ser conservador; mesmo que, minutos antes, D’Souza tenha dito que isso não era verdade e tentado associar homofobia à esquerda.

Ele também usa o fato do programa nazista dizer coisas como “serviço de saúde público” para associar o nazismo com Bernie Sanders e Elizabeth Warren (ambos defensores de do serviço de saúde público nos EUA), o que não faz o menor sentido (e Sanders ser de família judia faz disso ainda mais nojento).

As recriações da Segunda Guerra Mundial não são tão ruins, mesmo que sirvam um propósito péssimo e tenham imprecisões históricas. O longa também conta com dois números musicais gospel que só deixam tudo um pouco mais bizarro.

Death of a Nation é um lixo completo. É um filme estúpido que tenta associar adversários políticos a pessoas monstruosas e falha em todos os níveis concebíveis. Seja qual for sua opinião política, isso não muda o fato que esse filme é um pacote de mentiras, teorias da conspiração, pura lógica idiota, falácias, concepções e interpretações erradas, ou, em resumo, um papo furado de m****.

Um comentário em “Double Feature #1 – Cidadão Kane (1941) / Death of a Nation (2018) – Crítica

  1. Excelente crítica e, digo mais, o texto ficou MUITO engraçado!
    Fiquei com muita pena de você por ter “se forçado” a assistir esse doc. aí, mas o texto está muito bom!
    Parabéns!

    Curtido por 1 pessoa

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